10 de outubro de 2008

A propósito de conversas interessantes...

Existem aqueles raros momentos em que um grupo de pessoas, reunidas em torno de um mesmo tema, conseguem ter uma conversa realmente interessante, onde todos digam alguma coisa e ouçam de facto o que os outros têm para dizer.

Na semana que passou, tive dois desses momentos. Sobre um dos temas não posso aqui falar, por ser demasiado interessante…por isso falarei apenas sobre o outro.

Fui há dias assistir à apresentação de um projecto de arquitectura, recentemente apresentado a concurso. A razão pela qual o projecto se tornou alvo do meu interesse reside essencialmente no facto de o objecto do concurso ser a reinterpretação do espaço público nova-iorquino. O objectivo era portanto a devolução de uma importante artéria, hoje sufocada pelo trânsito automóvel, às pessoas.

Embora tenha chegado vergonhosamente atrasado, ainda cheguei a tempo de o compreender, se não na totalidade, pelo menos em algumas dimensões que me parecem importantes.

Sobre a proposta propriamente dita não falarei aqui, até porque tenciono entrevistar um, senão mais, membros da equipa acerca desta ideia e dos conceitos que a precederam.

A proposta, que propunha o encerramento do trânsito em túneis, libertando o solo à superfície para a vida a pé, mais calma, avança ainda com algumas soluções modulares, de cariz técnico interessante, que procuraram dotar o espaço de vários usos. De acordo com a equipa, multidisciplinar como manda a regra das boas propostas, estes vários usos, coadunados com a sensibilização para a vontade de mudar, seriam os motores de arranque de um cancro que todos conhecemos nas cidades, mas pouco sabemos quando se trata de tentar mudá-lo.

A discussão, debate se assim preferirmos chamar, que se seguiu à apresentação, serviu, na minha opinião, para perceber duas coisas.

Por um lado, quando nós (arquitectos e/ou derivados) estamos a apresentar uma proposta a uma audiência mista (arquitectos e mais ou menos leigos na matéria), devemos ser o mais claros possível, tanto na linguagem, como na representação gráfica das ideias. De outra forma, corremos o risco de, ao sermos mal interpretados, se criem preconceitos sobre as ideias, que demorarão muito tempo a desfazer.

Por outro lado, e suscitando talvez mais curiosidade, quando estamos sempre a acusar a América de tentar entender o mundo à americana, devemos ter muito cuidado para não cairmos no erro de tentarmos entender a América à europeia.

Não digo isto tanto por ter sentido isso vindo de quem apresentou, mas sobretudo da audiência, que posteriormente sobre as ideias se debruçou.

Os EUA são um daqueles raros produtos do urbanismo internacional, onde o dinheiro ditou regras claras de aproveitamento do solo. As cidades em quadrícula, desenhadas a régua e esquadro, em unidades definidas e retalhadas ao máximo para rentabilizar o espaço, dotaram os americanos de uma percepção do espaço nunca antes vista.

Neste contexto, o espaço público, que na história da Humanidade sempre existiu, e nela sempre teve dificuldade em afirmar-se como algo sólido e coerente, encontrou aqui a sua maior dificuldade.

Se NYC é uma cidade que destoa das restantes americanas pelo pensamento e pelas gentes que a habitam, no que toca ao desenvolvimento urbano é muito similar. Basicamente quem manda, e sempre mandou desde o início, na construção desta cidade foi a iniciativa privada e, neste sentido, foi também esta quem, por várias razões, esteve na origem da criação do espaço público. Todas as maiores praças, ou espaços pedonais, da cidade existem porque algum magnata ou instituição privada assim o entendeu. São estes que os decidem, que os projectam e que os gerem.

Entender por isso, o urbanismo americano à luz das regras europeias, onde, mal ou bem, o espaço público sempre teve tendência a existir, pode ser perigoso. Ele existe, mas representado de outra forma, como os centros comerciais, os grandes parques urbanos, ou percursos pedonalizados por razões essencialmente comerciais.

Mas se por um lado digo que o espaço público sempre teve dificuldade de afirmação entre os americanos, por outro, também admito que o americano é um ser que promove em si mesmo e nos outros, a capacidade e a vontade de mudança. O Central Park é exemplo disso. Embora não previsto no plano inicial de 1811, a quadriplicação da população em pouco mais de trinta anos, tornou gritante a necessidade de criação de um espaço amplo, desafogado e de usufruto público. O pulmão existe actualmente e é sem dúvida um exemplo de espaço público bem sucedido.

Prever, a médio ou mesmo longo prazo, um modelo de cidade americana em que o peão ganha importância e o uso do carro é severamente punido, em toda a cidade ou partes, é antever uma forte reacção social. O que gostaria de ter visto mais desenvolvido nesta apresentação é o modelo em que tal reacção se processaria, ou seja, todos os mecanismos externos à própria Arquitectura, envolvidos para implementação de um modelo que, embora utópico, pode e deve ser instaurado.

O espaço público é fruto de uma mudança de mentalidades, agarrada a uma decisão política e sustentada por uma sólida base económica. E nesse sentido, tudo começa por eu e tu, e aos poucos alguns de nós, a querermos mudar o que nos rodeia. Só assim se mudam culturalmente as mentalidades.

1 comentário:

JRF disse...

reciprocidade.

o despertar para a multiplicidade de contributos possíveis.

os teus não os descobri,
já os esperava,

confirmei-os e dei-lhes ainda mais valor.

foi bom ver a apresentação pelos teus olhos.até já.